Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

11 abril 2012

Reflexões sobre currículo escolar e prática pedagógica.


Reflexões sobre currículo escolar e prática pedagógica.

Percursos Históricos, Ano I, vol. abr., série 12/04, 2012.


SOARES, Marilda


Os currículos escolares, assim como as teorias educacionais tradicionais, foram estabelecidos pautando-se em preceitos positivistas, cientificistas e excludentes. De acordo com Henry Giroux, enquanto os currículos seguirem esse padrão continuarão à cooperar para a manutenção das desigualdades sociais.

Há uma cultura dominante, elitizada, que procura preservar as distâncias entre indivíduos de status sociais diferentes e a escola, e que durante muito tempo contribuiu para a reprodução dessa relação de dominação, por não valorizar a cultura produzida nas relações cotidianas e nos meios de comunicação mais acessíveis ás diferentes classes sociais.

Uma escola democrática e uma educação democrática devem ser voltadas para os sujeitos em formação cidadã e contribuir para a emancipação, para autonomia, para a valorização dos alunos e professores.

Considerando que a cultura não é neutra, mas veículo de difusão de conhecimento e ideias, é fundamental que no momento de estruturação do currículo haja uma preocupação com o desenvolvimento de valores éticos, de saberes emancipatórios, de modo que o percurso de formação contribua não apenas para a reprodução dos saberes dominantes, mas para a transformação da sociedade em um sentido positivo, de construção de uma realidade mais igualitária e justa.

Ou seja, há que se repensar a educação e propor mudanças estruturais.

A Escola da Ponte tornou-se um modelo de escola para todo o mundo. As inovações em relação ao currículo e a forma de organizá-lo, e a própria prática dos alunos, indicam novas possibilidades e são sempre referências nos cursos de formação de professores.

Dentre as práticas diferenciadas destacam-se a Assembleia de Escola, em que os alunos tomam decisões éticas, indicando o que consideram seus direitos e deveres em relação à escola e ao convívio, sendo experiências democráticas que estimulam a prática da cidadania.

A Caixinha de Segredos, a Caixinha dos Textos Inventados, Eu Preciso de Ajuda, Eu Já Sei, são formas de comunicação entre os sujeitos dessa Escola, auxiliando no aprendizado e oferecendo a oportundade de auxílio mútuo e possíveis redirecionamentos.

Como existe uma preocupação em permitir que cada aluno se desenvolva segundo seu próprio ritmo e tempo, em um processo social que permita a ressignificação dos saberes, os conteúdos não são trabalhados para todos ao mesmo tempo. Do mesmo modo, a avaliação é diferenciada, procurando respeitar a individualidade e o momento da aprendizagem.

Assim, mesmo a auto-avaliação é considerada como um momento de aprendizado, na medida em que permite a cada um avaliar seus avanços e suas dificuldades, identificando os problemas e procurando os meios para superá-los.

Em um de seus textos, Rubem Alves afirma:

“Nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem. Escolas são fábricas organizadas para a produção de unidades bio-psicológicas móveis portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências governamentais a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos estabelecidos por tais agências são obrigatórios, e têm a força de leis. Unidades bio-psicológicas móveis que, ao final do processo, não estejam de acordo com tais modelos são descartadas. É a sua igualdade que atesta a qualidade do processo. Não havendo passado o teste de qualidade-igualdade, elas não recebem os certificados de excelência ISO-12.000, vulgarmente denominados diplomas. As unidades bio-psicológicas móveis são aquilo que vulgarmente recebe o nome de "alunos".


 
            E, ao se referir a esse modelo de escola, Alves está fazendo uma crítica severa à uniformização, à padronização, que não respeita as individualidades e acaba por impedir que todos os alunos se desenvolvam, pois os obriga, teoricamente, a aprender ao mesmo tempo, o que, na verdade, não acontece.

            Encantado com o que viu e ouviu ao visitar a Escola da Ponte, sendo conduzido por uma aluna de aproximadamente 10 anos, que lhe explicou sobre o funcionamento da escola e como os alunos se sentiam ali, Rubem Alves encerra dizendo:


“Minha cabeça está coçando com o sonho de fazer uma escola parecida... Você matricularia seu filho numa escola assim? Mande sua resposta com suas razões para rubem@correionet.com.br -- estou curioso!”


Não temos ainda uma Escola da Ponte, mas estamos tentando fazer com que nossas escolas também tenham espaço para experiências democráticas, de participação e autonomia, de modo que possamos superar esse modelo positivista que ainda persiste em orientar professores, gestores, currículos e métodos de avaliação.

Recordando as palavras de Giroux, é fundamental que os professores



“[...] atentem seriamente para a necessidade de dar aos alunos voz ativa em suas experiências de aprendizagem; significa desenvolver um vernáculo crítico que seja adequado aos problemas experienciados ao nível da vida diária, especialmente quando estes são relacionados com experiências pedagógicas desenvolvidas por práticas de sala de aula”.
           

Além disso, é importante que gestores e demais membros da comunidade escolar atentem para a necessidade de estruturar um currículo que favoreça a expressão dos saberes e necessidades dos alunos, pois é para eles que a escola se destina.

Outro aspecto fundamental é a existência de condições adequadas à concretização do currículo e modelo de escola propostos, com investimentos em recursos materiais e, sobretudo, a formação de uma nova mentalidade, que considere a escola e a educação como espaços de construção de práticas democráticas, essenciais ao indivíduo e à sociedade.




Bibliografia.


FREIRE, Paulo. Educação e mudança . Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997.

FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional – Novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

GIROUX, Henry. A escola crítica e a política cultural. Trad. Dagmar M.L. Zibas. São Paulo: Cortez, 1988.