Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

16 novembro 2013

A questão étnico-racial no Brasil.


A questão étnico-racial no Brasil[1].

Percursos Históricos, Ano III, vol. nov., série 16/11, 2013.
SOARES, Marilda

O Brasil é um país que se caracteriza pela diversidade e formação multiétnica.
Assim, os valores éticos e as atitudes positivas frente à multiplicidade de manifestações culturais, étnicas, humanas e de solidariedade devem estar entre as prioridades do processo educativo e do projeto político nacional.
Pensando nas demandas dos grupos afrodescendentes do Brasil, embora algumas conquistas já estejam presentes em políticas afirmativas e reparadoras, ainda há um caminho a trilhar e muitas barreiras a vencer.



Quando libertos tornaram-se legalmente livres, no entanto, não houve nenhum tipo de preocupação ou medida política que oferecesse garantias para o cumprimento da Lei. Ao contrário, a mentalidade escravagista somada à indignação contra a desestruturação do modelo econômico, e as consequentes perdas de investimentos, fizeram com que surgisse, inclusive, o grupo dos chamados “Republicanos de 14 de maio”, indicando que muitos dos monarquistas estavam aderindo à causa republicana como forma de repúdio ao “13 de Maio”.
As Constituições do Brasil afirmaram a igualdade, porém não foram instrumentos eficazes para combater a desigualdade e a exclusão.
A primeira, de 1824 afirmava: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um” (Art.179). Porém, a escravidão foi mantida, durante todo o Império, como modelo econômico e social. Ora! É impossível a coexistência entre igualdade e escravidão.
A Abolição da escravatura viria apenas no final do século XIX, após intensa pressão externa, da campanha inglesa pelo fim do tráfico negreiro, e interna, do movimento abolicionista. E, como resultado, algumas leis antecederam a Lei Áurea: Lei Feijó, Lei Eusébio de Queirós, Lei do Ventre Livre e Lei do Sexagenário. Contudo, não lograram estabelecer práticas sociais mais igualitárias.
Com a República, novas leis entraram em vigor. É importante destacar que os textos constitucionais, que regulam a vida política e social afirmaram, sempre, o princípio da igualdade perante as leis, sem privilégios ou distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões, crenças religiosas ou ideias políticas.
Contudo, havia vozes contrárias à igualdade étnico-racial. Por exemplo, o Decreto-lei 7.967/45, no Art. 2º, definia critérios para a entrada de imigrantes: “Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia”. Essa é uma mostra da permanência da mentalidade excludente e da política de branqueamento, que pensava na diminuição da mestiçagem africana e indígena e idealizava o brasileiro apenas como descendente europeu.
Já no final do século XX, em 1981, foi proclamada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou Convicções. Esse documento baseia-se nos princípios da dignidade e da igualdade próprias de todos os seres humanos, tinha por objetivo firmar o compromisso dos países-membros da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil faz parte, para estimular o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião.
Também de acordo com esses mesmos princípios, a Constituição brasileira de 1988 afirma que: “A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”... “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
Nesse século XXI, o destaque está na política afirmativa, em medidas como a Lei 10.639/2003 (ensino de História da África e dos povos afrodescendentes) e a criação da SEPPIR, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003; o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica” (Art.1º). Assim como os Conselhos Municipais para efetivação de políticas públicas igualitárias, como é o caso do CONEPIR, o Conselho da Comunidade Negra de Piracicaba.
Em 2013 estão sendo realizadas Conferências para debater essas questões. Em novembro próximo, as demandas da sociedade serão apresentadas na III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que terá como temática “Democracia e Desenvolvimento por um Brasil Afirmativo”. A expectativa é englobar as propostas que emergirem dos diferentes grupos étnicos, para que se possa, então, ter ciência das necessidades sentidas e estabelecer metas para a aplicação de uma política efetiva de combate ao racismo, à xenofobia e à desigualdade étnico-racial. 
Que assim seja!


[1] Publicado em FOLHA CIDADE, Ano XIII, nº 588. Piracicaba, 08 a 14 de agosto de 2013.