Patrimônios da Humanidade

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25 abril 2015

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da Internet.



Percursos Históricos, Ano IV, vol. abr., série 25/04, 2015.



CASTELLS, Manuel.  Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da Internet. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013.

RESENHA
SOARES, Marilda

Manuel Castells é um dos cientistas sociais mais citados no mundo, tendo recebido diversos títulos e prêmios internacionais. Lecionou diversas   Universidades na Europa e nos Estados Unidos. Atualmente é diretor de pesquisa em Cambridge, na Inglaterra, e professor da Universidade de Annenberg, nos Estados Unidos.
No livro Redes de indignação e esperança, Castells aborda os movimentos sociais contemporâneos à era da internet e os novos procedimentos adotados em diferentes localidades do mundo tendo como estratégia de mobilização as redes sociais, que a um só tempo tornou a informação acessível e compartilhou a indignação e as reivindicações que uniram, em manifestações públicas, milhares ou milhões de pessoas, inclusive em nações onde o autoritarismo até então impedira contestações públicas e atos de rebeldia.
A esse fenômeno, o autor denomina “autocomunicação de massa” e afirma tratar-se de um fenômeno que modifica as relações entre o ator social e os atores coletivos, e destes em relação às instituições e os poderes, o que instituições que tradicionalmente regularam as diferentes formas de poder –, pois os indivíduos passam a ter autonomia para comunicarem-se entre si em tempo real e vencendo todas as distâncias, pois as redes são “fontes decisivas de construção de poder” (p. 16).
Muitos movimentos sociais são embasados em experiências históricas ou em referências teóricas, ideológicas ou políticas, tendo como eixo o desejo de mudanças. Os movimentos contemporâneos unem os espaços digitais e urbanos, exercendo um “contrapoder” que se manifesta, historicamente, pela ocupação do espaço público para reivindicar justiça, convertendo-o em espaço político de expressão de diversos interesses individuais, cuja motivação pode ser o medo ou o entusiasmo. Assim, as manifestações são formas poderosas de comunicação das esperanças e dos objetivos comuns.
Castells propõe-se a avaliar o “impacto da ação conjunta dessas redes de indivíduos sobre as instituições da sociedade e sobre si mesmos” (p. 25). E o autor reflete sobre a relação entre as redes de contrapoder e de poder e o modo como aquelas definem projetos e regras de atuação, referindo-se inclusive aos movimentos nos quais a regra é não haver regra alguma.
Referindo-se ao início da década atual, o autor destaca que em países bastante diferentes os movimentos forma semelhantes na forma de organização, nos slogans e no “desprezo por seus governantes”, como, por exemplo, na Tunísia, Islândia, Espanha ou Estados Unidos. As lideranças eram definidas ad hoc, com destaque para a participação dos jovens. Com as novas mídias, as ações dos manifestantes eram divulgadas imediatamente, assim como as imagens violentas da repressão policial, com debates internacionais pela internet.
O autor considera a importância de analisar o contexto de cada país e as motivações concretas para a ocorrência das mobilizações sociais, e localiza em todos eles os problemas de ordem econômica, a oposição ao poder tradicional das elites, bem como a busca por maior liberdade de pensamento e expressão, além da crise de confiança do povo em relação a seus governantes. Sobretudo, afirma, esses movimentos representaram “a ascensão de novas formas de transformação social” (p. 49).e modelos para movimentos futuros.
Com a tecnologia de comunicação sem fio e conexão, formaram-se, nos movimentos, redes conectadas entre si e com o mundo, em um “tempo atemporal”, criando comunidades instantâneas e motivadas e mobilizadas pela indignação coletiva. Eram redes horizontais, multimodais, que favoreceram a solidariedade e o companheirismo, reduzindo a necessidade de lideranças políticas. Foram, também, autorreflexivos, questionando constantemente sobre o tipo de sociedade que pretendiam e como suas ações poderiam contribuir para o objetivo almejado, procurando o consenso.  
Castells considera tais manifestações e movimentos como expressões legítimas de caráter político, não apenas pelo peso eleitoral dos seus resultados, mas porque “projetavam uma nova utopia de democracia em rede baseada em comunidades locais e virtuais em interação” (p. 169), ainda que não houvesse um projeto de ação política ou objetivos predefinidos. Mas, é justamente nesse último aspecto – a indefinição dos objetivos – que o autor localiza a fraqueza de tais movimentos. Dentre os aspectos positivos, aponta que propõem uma nova utopia, um projeto e uma cultura de autonomia em relação às instituições e à sociedade; outro ponto positivo é que as redes de comunicação virtual conectam os indivíduos por meio dos compartilhamentos, retirando-os do individualismo; do ponto de vista político, consideraram ilegítimos os poderes constituídos, reivindicam direitos, exigindo a revisão do modelo de democracia praticada.
No posfácio à edição brasileira o autor tratou das mobilizações em mais de 350 cidades do país. O movimento “Passe Livre”, sob o slogan “Não são os centavos, são nossos direitos”, expôs o caos nos transportes públicos e na mobilidade nas metrópoles, questionando o subsídio oferecido pelo governo às empresas e o aumento das tarifas, expressando indignação frente aos políticos e suas decisões que não privilegiam os direitos da população, a saúde pública, os povos indígenas, a preservação da Amazônia, etc. Assim, formou-se uma rede de solidariedade. Contudo, Castells aponta que “o mais significativo movimento social brasileiro tem sido a resposta das instituições políticas” (p. 184). Elas desqualificaram e reprimiram o movimento, havendo poucos dispostos a ouvir os manifestantes, como Marina Silva (que os apoiou) e a presidenta da república, que  afirmou a necessidade de ouvir “a voz das ruas”.
      O grande saldo positivo, afirma, foi a retomada das discussões sobre a reforma política nacional e, sobretudo, o empoderamento dos cidadãos. Contudo, salienta que o objeto analisado está em processo de construção histórica permanente, cujos desdobramentos ainda estão por vir, podendo ordenar-se e reordenar-se em função dos eventos de ordem política e econômica e dos encaminhamentos e respostas às demandas sociais.